E chega um dia... uma noite, uma certa hora da tarde, não sei, em que você se olha no espelho e não vê mais a gatinha que costumava antes encontrar. Ah, ela era linda, mimosa, dengosa, tenra, ronronante, cheia de frescor e de caprichos. Não está mais lá.
No seu lugar está um tigre, a te olhar nos olhos, gravemente. Não, não é agressivo, feroz. Apenas te olha nos olhos, de jeito vivido e sábio. Encare-o. Ele parece perguntar: "E então?" E você dirá, insegura, temente: "Então? Então o quê?" Ele persiste, no olhar: " E então?"
Você está vivendo ou acabou de viver um Rito de Passagem. Os ritos de passagem existem em todas as culturas e em toda a natureza.
Você poderá chorar daí em diante a gatinha perdida , agarrar-se à sua lembrança. Tentar rejeitar o tigre. Mas ele é você. E onde quer que vá irá com ele.
Ou cavalgá-lo como faz Krishna num tigre bengali, em gravura hinduísta. E seu tigre a levará por caminhos impensados, nunca antes trilhados, aventuras nunca antes vividas.
E quando a gatinha não estiver mais em sua lembrança, e você for totalmente o tigre, quando devorar e saborear a vida com as garras, a gana e os dentes e o coração do tigre, verá que a gatinha nunca saiu do lugar. Ainda está lá, à sua espera. Sempre esteve, atrás do espelho. E então não será só uma mulher de sessenta anos, mas de duas vezes trinta, quatro vezes quinze, de oito vezes sete anos.
Será, sim, ao mesmo tempo, a menina , a adolescente, a mulher adulta, a madura. E a síntese delas. Terá todas as idades do mundo.
Neila Tavares, para o Flying on the World
(Fotos internet)
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