POR TER FEITO SEXO COM A MULHER COM ALZHEIMER
Eu soube na rede social e me vi pensando no caso longamente.
Fiquei impressionada. Tinha a sensação de uma história de cinema, de ficção. E
no dia seguinte eu ainda pensava, durante o trabalho ou a refeição, durante a
conversa com um amigo... Entrei na internet
para conhecer maiores detalhes e só então
entendi a riqueza do tema.
Trata-se do homem, um deputado americano, criminalizado por
ter mantido relações com a mulher que sofria de Alzheimer. Mas vamos à
história:
Henry e Donna
conheceram-se e se apaixonaram no coral da igreja, ambos com 70 anos de idade e
ambos viúvos. Amor tardio e intenso. Segundo depoimentos de testemunhas, eram
felizes e ele a tratava como ‘uma rainha’ quando, dois anos depois, Donna foi
diagnosticada com Alzheimer, e, no dia em que saiu à rua de camisola, seios à mostra, as duas
filhas a internaram numa casa de saúde, sem que Henry fosse consultado.
Ilustração: Foto de George Hoyningen-Huge, 1936
|
Segundo a imprensa, Henry a visitava duas vezes por dia, de
manhã e à tarde, rezava um terço à sua cabeceira, e algumas vezes, descumprindo
a ordem dos médicos, a levava a passear. No início de 2014, com o avanço da
doença, verificou-se, em testes de memória, que Donna já não reconhecia
qualquer pessoa e não sabia mais o
significado de palavras tão simples como cama,
azul ou meia.
Aos 78 anos e no nono mandato de deputado em Iowa, Henry foi
levado à prisão, acusado por uma das filhas de Donna de ter tido relações
sexuais com a mulher, na casa de repouso.
Às primeiras suspeitas suas, a filha de Donna teria interpelado Henry, e médicos da casa de
repouso o haviam alertado: “ O sexo estava proibido a Donna”, e Henry teria
apenas respondido: “Não se preocupem”. Mesmo assim, por segurança, Donna foi transferida para um
quarto coletivo.
Mas a mulher que ocupava o leito ao lado testemunhou,
dizendo que em maio de 2014, durante a
visita, Henry puxou a cortina entre-leitos, e que em seguida ela ouviu ruídos de sexo. De
sexo, não de luta. Nenhuma evidência de brutalidade.Nada que indique que Donna
não quisesse ou não consentisse no sexo, que resistisse ou que se assustasse com a iniciativa do
marido , em seu estado de demência.
Donna morreu em agosto, pouco depois de completar 79 anos.
Henry em nenhum momento nega ter tido sexo com a mulher. Não
parece culpado por isso. Não parece envergonhado.
A acusação se baseia no fato de que Donna não tinha então
capacidade de escolha entre ter ou não relação com o marido, o que
caracterizaria, em tese, um estupro ( ou quando a relação sexual se dá
independente da vontade do outro). Afirma que Donna era como uma criança e que,
se não era capaz de reconhecer o marido, podia ser traumatizada ao se ver nua
diante de um homem desconhecido.
Médicos especialistas dão testemunho de defesa, afirmando que
o paciente de Alzheimer, embora privado da memória, ainda tem as sensações , o corpo sente prazer
quando estimulado pelo toque como sente dor quando agredido.
Com estes dados, recolhidos na imprensa, tendo a olhar Henri
com simpatia. Casou-se apaixonado e foi
feliz com ela até Donna, em tão pouco tempo de casamento, adoecer e sua mente ir-se apagando, apagando, até o
ponto de não mais reconhecê-lo, mente se deteriorando, memória... Mas ele não
virou as costas. Continuou ali ao lado dela, visitando a mulher duas vezes por
dia e até a seqüestrando para um passeio vez por outra. Uma mulher com quem
agora lhe restasse talvez uma única forma de comunicação, a física, através do
toque, a linguagem das sensações.
E penso em Donna, e nos nossos velhos todos e nos que sofrem
de Alzheimer. Nós os tocamos pouco. Os velhos precisam, devem ser mais
abraçados, mais cariciados, mais beijados. Há uma solidão que é própria da
falta de toque, uma saudade que é a saudade do toque,saudade de tocar e ser
tocado. Porque, assim como nos é quase
irresistível apertar, beijar, acariciar um bebê, há algo que nos afasta do
contato físico com o velho. Somos bastante econômicos.
E se tocamos pouco
nossos velhos, menos ainda tocamos os
que sofrem de demência. Como se não estivessem mais neste mundo, como se não vivessem
mais, não sentissem mais.
Ah, Donna haveria de gostar, de querer, sim, o carinho deste
homem, seu amor! Porque alguma coisa dentro dela, acredito, sentia e recebia o
amor, a dedicação dele. A memória do corpo, que não está sujeita à memória da
mente. E alguma coisa no seu corpo reconhecia, sabia onde estava o seu prazer.
Por que não? Estava viva.
Tendo a pensar que os dois tiveram sua última relação
amorosa-sexual naquela tarde, comunicando-se corpo com corpo inda que mente não
funcionasse mais, para viver um momento de alegria e de afeto e de conforto
mútuo, de aceitação e de entrega. Um momento último de entrega ao possível entre os dois. Além
da Mente.
Tendo a ver assim.